sábado

Lixo

rima tosca verso brega 
em palavra escusa 
escuro escombro escória 

da boca que se esfrega 
da mão atrevida 
sem gênero 
difamatória 

mendiga que não pede 
putana de beco que não se vende 

dá 
por convicção 

sem regra seta meta 
não rende 
não promete 
não cumpre não se entrega 

esta palavra é lixo do sistema 
não vale o descarte 
e por isso é livre 
é arte 
é poema

sexta-feira

Amor adverso


inverno do tempo
brisa turva da vida 
entre flores e saudades 
surge na alvorada um perfume do passado 

tanto tempo, meu deus 
e esta imagem ainda irrompe 

pressão nos lábios dormentes 
tonturas contraturas 
eclode febril inflama glândulas ínguas 
incha a língua seu nome na boca 

essa tosse seca canina

Desasozinhar-se


em tua voz o fascínio floresce mais
os letreiros cantam: fica!

de sons de máxima cor
sonhamos inimagens

sondas olhares em suaves ondas
ideias estéreis
artificiais

que jardim é esse ao redor?
nada mais cresce
nenhum abraço colo calor
um beijo de boa noite sequer

a voz insiste: fica!

e o tempo passa e enruguece
praga que pela a pele
a terra fenece
sem porquê
sangra resseca enrudece

e a bela ainda mais se oferece: fica!

encanta a feia rosa morta no buquê
sozinha
que - se - nos - abandona
erva daninha

mas, não
não mesmo

agora
poemar é desasozinhar-se

portanto, cato o controle da tevê
e digo: não fico!

parece
mas, na serra
não está só
a flor do ipê 


sábado

Os tolos toleram

Três Dias - Paulo Vieira


repousas sobre teu desprezo de nascença

enquanto hospedas o caos
trituras gentes
assassinas sonhos

tua revolta é rasteira
brega falsa
pele de vampiro sobre caretice cordeira

o vento soletra teu verdadeiro nome
enquanto cronometra minha dor de uretra
e sopra sobre a ferida
a certeza de que só este verso será terra sobre mim


.

sexta-feira

O Lugar





céu lindíssimo
Júpiter faz que conversa com a Lua
e calo no frio silêncio da madrugada

reflito sobre uma vida de poucas posses
muitas convicções 
e nenhuma certeza

a não ser
a de que
esta vida que aqui está
também não é minha

não é quem sou
(o que sou de matéria escura luz estelar gás pó ao que sempre se retorna)

o quando do moto-contínuo

e muito menos o porquê

ela vem
            e vai
                        sem onde

.

domingo

Você pra mim


Vênus


o véspero tempero da tarde
traz arte ao seu olhar singelo

como se
     por um átimo
                tudo parasse para suspirar





Jasmim Azul
flor de luz que brota do sul
sensual jardim em cósmico ninho
     amorosamente
azul de jasmim

tarde assim convém com verde vinho
saborizando a vida
     aromosamente
você pra mim

sábado

Ato último

Recorte: Criação do Homem - Michelangelo

este silêncio
em teu não absoluto
eu devolvo

este mundo
que é teu tributo
           (não é para mim)
devolvo

esta vida
         (que levará lágrimas)
devolvo sim
minuto a minuto

A rua e a escola


Rua Mateus de Araújo Silva, Timóteo

foi na Mateus de Araújo Silva, 216

estreita entre duas curvas e dois morros íngremes

ilha no mundo dos montes
a levar vida cabisbaixa




Angelina Alves de Carvalho, primeira escola de Timóteo
mas, uma escola avizinhava
e
quando me vi
havia nascido aluno e filho das letras
cercado de ideias inquietantes
a levar vida que não se encaixa


não me emparedo
não me enquadro

e nem Timóteo está enquadrada na parede

.

sexta-feira

Saudade em Novembro

Serra do Cipó


entre massas polares e rios voadores 
serena lua de luz fina 
prateia tempera o alto da colina 

nestas montanhas em novembro 
evapora o tenro tempo ao relento 
(o que nunca se poderia saber?) 

nuvens itinerantes translucidam seu rosto 
e vejo você agora 
no breu frio do adeus 
no jardim de pedras 
vestida de vento e neblina



.

sábado

Flor de Cacto



é meio assim
só chega se não se sabe
só entra se não cabe

- a parte que não se faz servil
  que violenta o bom gosto
  quer encantar-te

isso desse vício
                  arte?
                  ofício?

poemas apenas
não temas


.

sexta-feira

Perfume de jamais



fim
e se assim for
um simples partir
sonhar a não se crer
no tempo
a descumprir juras de amor?

então
deixa-me ouvir
ao relento o teu tango
a vagar                                                                            
e fugirfundirferirtingir
            em lo uquec ida me nte
o sangue
o espinho
o pecado
o último pecado da flor

cair no esquecimento
vida sem motor
desflorescer no eternamento
que em teu rosto também é
também é jamais

- um lamento latente
  me faz anoitecer a cor
  me faz adormecer a dor
verrugosa flor
  um nada mais a delirar

- sim
  diga por favor
  deixa-me sentir
  sonhar-te o sol nascer
  teus olhos refletir
  o sol se por

então
deixa-me sentir
no longo tango do tempo
alento                                                                              
e fugirfundirferirtingir
em lo uquec ida me nte
o sangue
o espinho
o pecado
o único pecado da flor

e ao encontrar-te no apagar de tudo
sem mais um beijo a mais
teucoloteucalor sem o querer
o que me resta fazer?
cheirar tua rosa revoluto
que em teu corpo agora é
perfume de jamais 


quarta-feira

Pele de pétala


o sol na pele sua
aguarela no dorso
no finzinho da tarde

como flor airosa
espera que a lua
no céu se guarde
e garbosa aguarde
a noite quente
chuvosa

ah
e no banho
      charmosa
ela se veste de longo
      se despe de rosa


.

sexta-feira

Amor demonho


gazela louca
ela me rejeita
no seu jeito de levar a vida                         
             a se livrar dela
         para aquém dela

não me aceita
segue surda apressada
     comendo insultos
caçando becos alucinada
     bebendo olhares
para a lua de mais longa madrugada

a bela loba prefere os infernos onde se deita
   a me querer
       por temer 
          meu amor demonho 

.

segunda-feira

Arco-íris em Outubro

espada do meio-dia
o sol estala no céu desnudo

o calor desvia a luz em assombro
ar agudo ardendo narinas
arranhando olhos que nem lacrimejam mais

come horas derrete corpos desalenta almas

contudo
antes que a vida cinere para sempre
outubro


o escudo - a miragem
milagres em gotas
caem no fim da tarde para além das multicores
leves às soltas
belas meninas
seduzindo a paisagem


sexta-feira

Ato único


 abrem-se involuntariamente os olhos
e pronto

toda manhã
            como no desventre
descortinados na boca de cena
ouvidos em silêncio
em ausência

o constrangimento desordena
- onde por as mãos
as palavras?

tudo a saber a que veio
                         e nada

existir é este susto


.

Bilhete





voe branco da folha
o vento expresso
colha cores flores estrelas
um ramalhete de frescor
um verso
e volte bilhete para meu amor 

quinta-feira

Chuva



flor nina

formosa

na dança da chuva

flor moça

cheirosa

sexta-feira

Por um sorriso em seu rosto

Holambra, ano passado



mansa vai densa névoa
e por ela
dança o sol em franjas que servem orvalhados prismas
que colorem a rosa em suaves brisas
e brilha
perfumando o ar que entra pela fresta da janela

é... se lembro-me
ondulando os campos você exubera
e me tinha amor

é... se atenho-me
é no balanço do seu vestido floral
na trança da primavera

é... ainda setembro-me



Coisas emocionais



Página Primeira
o vazio contém uma palavra


Em Capítulos Recuperados
imagem da morte na infância
dedo de filho com um dia de vida


Parágrafos Meninos
galho do pé de goiaba que dá passagem para o telhado da cozinha
     castigo de mãe
dedo perfurado pela agulha da máquina de costura
     umbigo de pai


O Livro Adolesce
o verbo voar levita?
evita ele a falta de ar?


Mensagem do Meio para o Início
o livro pode não agradar 
ao despalavrar a verdade 
e certamente não conforta 
porque não se conforma 
à realidade 
(que realidade?) 


Pergunta que Antecede
- que difere pedra de outra
  caminho de outro?


Do Fim para o Meio
é com leveza de rio em correnteza 
( dureza de pedra 
peso de água ) 
que a poesia bate na cara 


Universos Descapitulados no quintal
longa samambaia na varanda 
mesa na sombra da parreira de uva
verduras fresquinhas e mamão para unha 
antúrios ao pé do velho coqueiro anão
lindas roseiras no canteiro 
touça de cana saco de laranja
enceradeira no piso vermelhão 


Permeância de não Esquecer
- que canário se negaria
  a cantar na gaiola
  (para a gaiola)
  poesia?


Capítulo do Amor Desendereçado
  • vinho aberto no tempo certo 
  • lua azul às quatro da madrugada 
  • banhar uma carta de lágrimas 
  • sonhar no desamor 

Separação
esta vida não se comporta
- diria sobre mim –
então abri a porta e saí
deixei-a
sem se saber já morta


Notinha
mais que espantos, emoções 
quaisquer que queira 
do silêncio ao grito
emoções que alinhavam desatinos 
 os sentidos dos sentidos 


A_Final
 – se não for para guardar no peito um abraço
           para que mais poesia serviria?


.

aDeus



não deste o remanso celeste
que ilumina a mente e a alma eleva
fugiste curvando a flexa do tempo deixando o caos
não desceste - correndo de ti mesmo – o abandono

não deixaste criança brincar jovem dançar velho encantar

o peito, um pote de ausências
poesia de amores perdidos
cartas jamais postadas

não foste prometido lugar sagrado seguro
nem cantaste louvores
não espantaste meus maus espíritos no escuro
- corpo em tumores

legaste o frio


aos sons da terra e do céu
calaste desde o primeiro choro de vida

pois então
a Teu modo ateu
leva este meu último suspiro de morte
é Teu


.

segunda-feira

Foi num sopro

João Garcia, escritor e jornalista
Morreu hoje o dono de uma grande alma, destas que enraizando-se e elevando-se se ilimitam.

Amou com vigor a vida e teve com ela uma relação leve.

Amou ainda mais de seu povo as suas falas, seus dramas comesinhos e atávicos, escritos e descritos em alguns segundos, mil palavras.

Fez acomodar tamanha grandeza nos sorrisos pequenos, nas perguntas que nunca pretendiam respostas, apenas conversa miúda.

Dos olhos nos olhos, por conhecer tão bem sua vocação para a bonança, nunca fugiu de tempestades, enfrentou-as trovejando, também, esperançosamente.

De perto assim e com a mesma profundidade amou aos seus, família, amigos gêmeos. Ensinou a muitos, como a mim.

Morreu como certa vez contou-me que gostaria: mais que susto, mais um sereno sopro... da vida.


.

sexta-feira

Céu da Serra


"Céu da Serra do Cipó", Guilherme Queiroz



vejo belos portais
leito anil
longas curvas
nas gerais

montes e matagais
saltos vales
serenos matinais

eu não trago ouro
nem ouro levo
largo sorriso
lago azul dos tempos
encantando olhos brilhos
que aquarelo

simples e casuais
que se deixam
ir de leve e mais ao mais

eu não trago ouro
ele não eleva
largo sorriso
lago azul dos tempos
encontrando atalhos trilhas
mel da terra

eu nem trago ouro
nem ele me leva
largo sorriso
lago azul dos tempos
doce manto sobre filhos
chão da serra

amarelo o sol vai
meio que frio
quase escuro
e a noite cai

cantos vinhos luais
sal que traz
corações ancestrais 




Para seu desgosto

Tarde de Agosto
 
trago traços dissecados na linha dos olhos
rotas destinos incertos no canto da   boca
marco sirenas partidas inaudíveis
e não escapo às chegadas nefastas


vento agosto apoeirando
o tempo da piora
que se acumula
e se demora
em trinta e um mau agouros


para ser e gostar de ser
lágrima em seu rosto



Poema publicado na
http://www.tertuliapaodequeijo.com

sábado

Amor amputado

O Barco, de Rogério Cordeiro
nossas mãos, de costas
ponte sem cabeceiras
de sempre ir de nunca ir
de tanto nos abandonar
 
nossas mãos, de longe
olhos - secar de pedras cachoeiras
sonho sem margens
sem corredeiras
 
teu rosto lentamente dobra o tempo no horizonte
manso barco na paisagem
pronde?
 
amor amputado
fonte a fio seco
rio a mar morto
espelho a miragem  

.

sexta-feira

Vinílica


que a vida te deu
dissonante suspiro
sol nos olhos
mulheres de Holanda

que te deu a vida
atrevimento
sal na boca
de um liberto Gilberto

que a vida se deu
ao desconserto
leveza de Veloso
Tom de rosas
taças de Vinicius

como se dá toda vida a vida toda
pele nas mãos
alma no fogo

.

Tijolo

a margem ocupa o centro
trafica vida mutila sorriso sepulta sonho

a mão da tragédia é delicada
sabe apalpar donzelas
promete e entrega delírio
puberdades entre a morte e a cadeia

naquele dia
ar de se sentir estranha

o corpo que deu tanto a tantos fica sem dono sem ela
dívida na alma
grade no peito
chave que não mais se acha

pela entranha
agacha um tijolo de maconha

salva-se ao morrer de vergonha

.

sábado

Vinho, flor e tango


ir sempre ir sempre ir e andar só
a te querer a me levar numa lágrima
taça de vinho merlot a me lembrar tinto baton
sorver seu querer evoluir eternar
reflorescer então perfume em mim

deixa-me ir luzir e fruir fruta cor
vou te pernoitar estrela brotar cantiga de flor
num refletir de pele ao sol se por
dourar enluarar e leve enlouquecer de amor por ti

ah céu de doce ilusão
adstringente coração
não me quer
não me quer  
quer não

aroma denso
vaga mais livre que o vento
desendereçada
dama da noite

ai meus belos ares contigo jamais
este tango tonto solitário
só faz doer calo nos pés

triste milonga
por um anjo vagueio 
por onde não sei
eu não sei
sim por não querer saber

mas eu sei que amarei sempre
este peito nasceu só por ti

ir sempre ir sempre ir e andar só
ainda há tanto de mar a sangrar numa lágrima
bandoneón a desacorçoar
ao ver a taça se abrir em pétalas  
para adegar teu buquê em mim



sexta-feira

Dorfagia



RE-TALHOS, de Ma Ferreira
 
resta teu rosto de anjo em seda peçonha
que corta em retalhos olhares de porta-retratos

nem mais ao longe levas

ombros encolhidos me serviste
ausência de dobrar pescoço joelhos
pratos à luz de trevas
reza rastejante
triste consternação de pássaros
secando palavras

quero mais não 


hoje recorto tuas asas
e como teus cacos


.

terça-feira

Remanso

Escarpas
a rede conta e descarta o tempo
range voz suave ao coração
galanteio de balanço

põe fim à corredeira
- a foz, jamais
para quem
na cumeeira do ponteio
saboreia a vida no remanso

.

sexta-feira

Galhofa

elegante
a donzela trejeita discreta

linda
projeta elena aura

uma pequena galhofa
do desejo que desperta

Mil e muitos poemas

para Assis Freitas

há um petardo de palavras
um verso imerso no vácuo
que incita luas brevidades e lírios

há um cheiro de palavras
a oferecer ventarolas de piscar olhares
sal de colorido incerto de tão belo

há um desejar de febris palavras
suores colados na pele do silêncio
do amor que entardece sol

há de haver umas mil e muitas outras mesmas palavras
a galopar cotidianos-luz
para lavrar infindas estrelas

sábado

Na vinha dos casais

ondule nas mãos amor
desperte lençóis
íntima carne da manhã

dance na brisa nervuras trêmulas
travesseiros e travessuras no ventre
libere quenturas aromas matinais
de renascida juventude
sob lilás vermelho de charme

paixão palavra-prima do corpo
é a elegância de sua nobre casta
- que não ilude ao simular
  mesmo esquecida dizimada escondida
  no cárcere na vinha dos casais
  leito tumular do tempo

só para mim meu amor
regenere aos sóis
como carménère


sexta-feira

Adeus em Junho



vento afiado 
calafrio testemunho de um adeus
frio
dolorido calado
choque gelado em redemunho

sozinho poesio seu nome
ao vinho queijo e queixume
definho em rascunho

- que a solidão de Junho se consume

Como vinho verde

a moça verseja
valseia finos braços
passeia flor
os olhos guia gravita
veste-se de voz
que se converte em corpo que levita

eleva ombros
pele quente e afetuosa
esguia seu meigo jeito
suave no ouvido

boca em leve sorriso
beijo de frescor frisante
amor elegantemente servido

ar júvene que não se perde
como um vinho verde
como uma canção em meu coração


para Corinne Bailey Rae

sábado

Teus lábios


brilho do olhar
concentrado de vida

tuas beiras liberam aromas
amoras amores anoiteceres

preso em tua redoma
pernas vigorosas
teus vermelhos viscosos teus rosas
carnudos sutis intensos

doce nas pontas
picante nas laterais
no âmago ardente
teus cantos na língua

vinho sangue quente
opulência untuosa ao dente
que me faz teu vampiro
teu escravo
toda vez que demoras na boca comigo