sexta-feira

aDeus



não deste o remanso celeste
que ilumina a mente e a alma eleva
fugiste curvando a flexa do tempo deixando o caos
não desceste - correndo de ti mesmo – o abandono

não deixaste criança brincar jovem dançar velho encantar

o peito, um pote de ausências
poesia de amores perdidos
cartas jamais postadas

não foste prometido lugar sagrado seguro
nem cantaste louvores
não espantaste meus maus espíritos no escuro
- corpo em tumores

legaste o frio


aos sons da terra e do céu
calaste desde o primeiro choro de vida

pois então
a Teu modo ateu
leva este meu último suspiro de morte
é Teu


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segunda-feira

Foi num sopro

João Garcia, escritor e jornalista
Morreu hoje o dono de uma grande alma, destas que enraizando-se e elevando-se se ilimitam.

Amou com vigor a vida e teve com ela uma relação leve.

Amou ainda mais de seu povo as suas falas, seus dramas comesinhos e atávicos, escritos e descritos em alguns segundos, mil palavras.

Fez acomodar tamanha grandeza nos sorrisos pequenos, nas perguntas que nunca pretendiam respostas, apenas conversa miúda.

Dos olhos nos olhos, por conhecer tão bem sua vocação para a bonança, nunca fugiu de tempestades, enfrentou-as trovejando, também, esperançosamente.

De perto assim e com a mesma profundidade amou aos seus, família, amigos gêmeos. Ensinou a muitos, como a mim.

Morreu como certa vez contou-me que gostaria: mais que susto, mais um sereno sopro... da vida.


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sexta-feira

Céu da Serra


"Céu da Serra do Cipó", Guilherme Queiroz



vejo belos portais
leito anil
longas curvas
nas gerais

montes e matagais
saltos vales
serenos matinais

eu não trago ouro
nem ouro levo
largo sorriso
lago azul dos tempos
encantando olhos brilhos
que aquarelo

simples e casuais
que se deixam
ir de leve e mais ao mais

eu não trago ouro
ele não eleva
largo sorriso
lago azul dos tempos
encontrando atalhos trilhas
mel da terra

eu nem trago ouro
nem ele me leva
largo sorriso
lago azul dos tempos
doce manto sobre filhos
chão da serra

amarelo o sol vai
meio que frio
quase escuro
e a noite cai

cantos vinhos luais
sal que traz
corações ancestrais 




Para seu desgosto

Tarde de Agosto
 
trago traços dissecados na linha dos olhos
rotas destinos incertos no canto da   boca
marco sirenas partidas inaudíveis
e não escapo às chegadas nefastas


vento agosto apoeirando
o tempo da piora
que se acumula
e se demora
em trinta e um mau agouros


para ser e gostar de ser
lágrima em seu rosto



Poema publicado na
http://www.tertuliapaodequeijo.com

sábado

Amor amputado

O Barco, de Rogério Cordeiro
nossas mãos, de costas
ponte sem cabeceiras
de sempre ir de nunca ir
de tanto nos abandonar
 
nossas mãos, de longe
olhos - secar de pedras cachoeiras
sonho sem margens
sem corredeiras
 
teu rosto lentamente dobra o tempo no horizonte
manso barco na paisagem
pronde?
 
amor amputado
fonte a fio seco
rio a mar morto
espelho a miragem  

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sexta-feira

Vinílica


que a vida te deu
dissonante suspiro
sol nos olhos
mulheres de Holanda

que te deu a vida
atrevimento
sal na boca
de um liberto Gilberto

que a vida se deu
ao desconserto
leveza de Veloso
Tom de rosas
taças de Vinicius

como se dá toda vida a vida toda
pele nas mãos
alma no fogo

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