sábado

Pernas curtas

Timóteo. MG

casas de corpo ausente
calçadas sob pés dormentes
     passos ao passado

curva fechada em morro íngreme
pessoas e suas fachadas
     fechaduras

portas cortam outra parede
procuro por mim em tudo
     e não encontro

janelas entreabertas em rede
em sonho já sem dono
     na igreja atrás da grade

os olhares é que não se encontram

na cidade e suas ruas
ainda caminho de pernas curtas

  

domingo

Lágrima do mundo


(para o poeta Roberto Lima) 


o vendedor de ingenuidades 
cheira perfume e dedica flor 
pisca sorriso fácil 
ilude olhos apaixonadiços 

na sua teia ele dissimula 
renega o paraíso 
descolore sonhos 

o demônio fascina ao entristecer 
ao se oferecer 
poesia 
a mais bela lágrima do mundo 

sábado

Mortificações

para o poeta Bispo Filho
Contorcionista 3 - Paulo Vieira

conotou todas as palavras que tentaram traçar destinos
preferiu as da dor ácida 

     sem limite de crueza
          afeto 
               e fereza canina

cantou o outro lado do rio para o outro lado do mundo
abriu faces de outras faces 
      de outra coisa qualquer
           com a lente de aumento 
               do alhar que adolesce

o poeta lambe com prazer a ferida
- não qualquer martírio 
  só os que se movem dos lados para o centro
  para as mutilações de dentro e de fora
  como quem está sempre partindo(se)
  para onde sempre se volta


  

sexta-feira

Poematomas - Amor Agônico


um suspiro no jardim enluarado
por ti
- por quantos fôlegos 
  engolidos?           

não por dores que dão à palavra 
      dimensão de manso silêncio
                    mas pelas agudas

esta
     exatamente
esta dor de herpes nos nervos
que percorre víbora os versos   
e uiva agônica

- ainda te amo


  

domingo

Madame

Jeca Tatu - lobato.globo.com

vira a página e estica o orgulho em pontiagudas unhas 
desfila seus versos da altivez de uma rara casta 
fios dedos 
     sem nada tocar 

zomba arqueando repuxadas bochechas em ruge palhaçal 
sobre pele 
     pó funestos 
e joga o cabelo laqueado para além da longa e árida testa 
a dissimular a peruca 
     que desafina 

em falsia (não se vê o olhar) vesga 
envergonha ao forjar lágrimas por trás de pálpebras infladas 
     caídas 
ancoradas em queixo e nariz maximamente erguidos sobre ombros 
     arqueados 

último ato de pleno desbotamento da alma 
a boca trejeita desdém 
     mas em silêncio

- eh... poesiiiaaa, né? ói, nuum vi puressas banda daqui não madame!